Reflexões

27/02/2020

INFÂNCIA – A POESIA E A DURA REALIDADE

Casemiro de Abreu escreveu um poema que pode ser considerado um clássico no retratar sentimentos de um tempo distante e feliz da meninice. Trata-se da poesia MEUS OITO ANOS:

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor!

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã.
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberto ao peito,
– Pés descalços, braços nus –
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Oh! Que saudades que tenho
Da aurora de minha vida (…)

Até que ponto estas palavras tão lindas expressam a realidade da infância? Será a infância apenas algo para ser cantado pelos poetas? O fato é que, poeticamente falando, a infância é um tempo super agradável, de delícias infindas e que só vai deixar na memória do indivíduo gratas recordações. No entanto, na realidade tudo é muito diferente. O mais usual é constatar que a experiência individual da criança, é dura, solitária, sofrida, marcada pela indiferença e pela incompreensão. Há falta desta excelência cantada muito bem por Casemiro de Abreu

Em todas as camadas sociais, da mais miserável até o topo das classes multimilionárias, as crianças experimentam algum tipo de abuso e de abandono. Vivemos numa sociedade tão contra as crianças, que esmaga diariamente milhares de crianças em formação, já no ventre materno. A indústria do aborto é assustadora.

Jeremias registrou em um livro, chamado o Livro de Lamentações, todo seu choro de tristeza e de lamento. Um livro que retrata com traços tão fortes a tristeza do seu coração de servo de Deus vendo a destruição da cidade amada, Jerusalém. A cidade incendiada e o povo sendo levado cativo eram um quadro de humilhação e de desesperança. Jeremias mostra também as crianças nesta caminhada desoladora.

As lamentações de Jeremias são impactantes e retratam um momento de horror na história do povo de Israel, quando levado para o cativeiro na Babilônia. Que tribulação angustiante. As crianças caminhando famintas e gritando por um pedaço de pão é assustadora e o profeta declara:

“Com lágrimas se consumiram os meus olhos, turbada está a minha alma, e o meu coração se derramou de angústia por causa da calamidade da filha do meu povo; pois desfalecem de fome os meninos e as crianças de peito pelas ruas da cidade” (Lamentações 2:11).

O registro feito por Jeremias descrevendo a fome das crianças é de cortar o coração:

“Dizem às mães: Onde há pão e vinho?, quando desfalecem como o ferido pelas ruas da cidade ou quando exalam a alma nos braços de sua mãe” (Lamentações 2:12) e ainda: “A língua da criança que mama fica pegada pela sede, ao céu da boca; os meninos pedem pão, e ninguém há que lho dê” (Lamentações 4:4).

E não conheço nada mais dramático do que a lamentação registrada no capítulo 4, versos 9 e 10: “Mais felizes foram as vítimas da espada do que as vítimas da fome; porque estas se definham atingidas mortalmente pela falta do produto dos campos. As mãos das mulheres, outrora compassivas, cozeram os seus próprios filhos; estes lhes serviram de alimento na destruição da filha do meu povo”.

Haveria alguma similaridade entre aquela época e a nossa?

  • Quem ouve o grito das crianças com fome em quase todas as nações da terra, sendo que em algumas delas o número de meninos e meninas literalmente famintos é espantoso.
  • Quem ouve o grito das crianças nos campos de refugiados? E nas periferias das imensas, sofisticadas e congestionadas cidades, verdadeiras megalópoles, onde tantos pequenos sobrevivem catando comida nos lixões?
  • Quem ouve o grito das crianças abusadas verbalmente, tratadas aos gritos sem a mínima consideração; das crianças abusadas fisicamente, tratadas com violência e aumentando consideravelmente as estatísticas dos hospitais identificadas como crianças vítimas de maus tratos corporais; das crianças abusadas sexualmente e que perdem completamente a confiança nas pessoas, pois aqueles que deveriam respeitá-las e protegê-las se aproveitam delas para satisfazerem seus desejos torpes e corrompidos?
  • Quem ouve o grito das crianças que não conseguem nem um pouquinho de atenção, de afeto, de consideração, de calor humano; que não encontram quem por elas se interessem, ou com quem possam conversar e contar suas preocupações, anseios e descobertas?
  • Quem ouve o grito das crianças que sofrem de terríveis pesadelos durante a noite, por ter durante o dia todo enchido as suas mentes com jogos violentos, com desenhos animados e filmes onde ideias satânicas são introduzidas com intensidade e com força?
  • Quem ouve o grito das crianças que anseiam por saber o porquê de todas as coisas, mas que em vez de serem conduzidas ao encantamento de descobrir o maravilhoso universo da criação, com a terra e o oceano povoados por milhões de espécies animais e vegetais; com as galáxias e seus bilhões de estrelas; são conduzidas ao mundo da tecnologia digital? E que têm pouquíssimo contato com a criação de Deus, sendo ainda ensinadas que tudo surgiu devido a um processo desconhecido de evolução, por sinal nada científico?
  • Quem ouve o grito das crianças famintas espiritualmente, mas que não têm a oportunidade de se alimentar do Pão Vivo que desceu do céu? E que ficam enredadas nas malhas das seitas e das religiões?

Não! Não dá para olhar para o tempo de infância com o mesmo olhar do poeta. A realidade é tão dolorosa que B. Carlson afirmou com muita propriedade: “A história da humanidade é um verdadeiro pesadelo se escrita do ponto de vista da criança”.

Haverá alguma saída? É também no livro de Lamentações que encontramos o clamor do coração do profeta: “QUERO TRAZER A MEMÓRIA O QUE ME PODE DAR ESPERANÇA” (Lamentações 3:21)

Gilberto Celeti
Do livro “Excelência no Trato com as Crianças” (Editora APEC)

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